A Constituição Federal de 1988 consagra no artigo 37 os princípios fundamentais da Administração Pública como elementos balizadores da atuação do Estado. E, portanto, um guia para perseguimos. Nunca é demais lembrar de todos os princípios declarados na Carta Magna: a legalidade, a impessoalidade, a moralidade, a publicidade e a eficiência. Embora todos eles tenham sua importância, e deveriam ter a atenção indispensável dos agentes públicos, é lícito dizer que a eficiência tem mérito especial.
Isso porque ele é o princípio basilar que registra que toda ação da administração pública deve direcionar-se para a realização do objeto a que se destina. Portanto, cabe a todos os agentes públicos a busca constante da perfeição, de maneira que o interesse primário do Estado seja sempre o foco principal.
Legislação incentiva uso da BIM na administração pública
Essa busca, então, deve visar a entrega de serviços públicos de qualidade. E, impreterivelmente, com a melhor utilização possível dos recursos públicos e atendimento efetivo ao princípio da eficiência, vigiando os reclamos legítimos da sociedade. Sob o mesmo ponto de vista, o Governo Federal estabeleceu o uso da BIM (Building Information Modeling) para a execução direta ou indireta de obras e serviços de engenharia. Sejam elas feitas pelos órgãos ou pelas entidades da administração pública federal. O Decreto nº 10.306, de 02 de abril de 2020 instituiu a medida. Um dos motivos por traz dela é o interesse estratégico de maior precisão, transparência e eliminação do desperdício nas ações.
Com um horizonte de 10 anos, a criação de uma política pública que define uma estratégia clara pode ser um divisor de águas para o uso da metodologia da BIM no Brasil e a criação de um mandato de longo prazo. Ela dá condições para que os setores público e privado andem alinhados às práticas já adotadas por muitos países exemplos no tema. A Nova Lei de Licitações (Lei nº 14.133, de 1º de abril de 2021) é outro instrumento legal que vai ter forte impacto na forma de contratação de projetos em BIM. Tanto pelos órgãos públicos como pela iniciativa privada. Seu texto declara que a BIM na administração pública será adotado preferencialmente nas licitações de obras e serviços de engenharia e arquitetura.
O que é BIM
Portanto, diante da relevância que essas legislações deram à adoção da BIM na administração pública, é imprescindível entender algumas definições ligadas à metodologia. A BIM permite a criação de simulações digitais, com suporte da realidade virtual, na elaboração e execução dos projetos, dentre outros usos. Um dos seus grandes diferenciais é o uso da metodologia em todo o ciclo de vida do empreendimento. Isso inclui desde a sua concepção e estudos preliminares, passando pela elaboração dos projetos e construção, até a manutenção da edificação.
Nesse sentido, a BIM não só cria um modelo digital tridimensional com as características físicas e funcionais de um empreendimento, mas também permite visualizar as outras faces da construção civil. A tecnologia possibilita simular as intercorrências e verificar sua adequação com os elementos projetados (3D). Ela elabora as fases de execução das obras (4D), bem como identifica os quantitativos para orçamento referencial (5D). A BIM consegue ainda planejar as manutenções do empreendimento (6D) e suportar iniciativas de sustentabilidade (7D) que permitem aos projetistas cumprirem metas de redução da pegada de carbono nos empreendimentos e validar decisões de projeto ou, ainda, testar e comparar distintas opções.
A BIM traz uma outra forma de projetar, gerenciar e construir com mais eficiência e economia. Ela reduz custos, mitiga riscos e garante o cumprimento dos prazos. Com ela, é possível, por exemplo, criar uma simulação do planejamento de uma obra pública por meio da animação das ações e visualização do andamento das ações de acordo com o calendário da obra.
O uso da BIM na gestão pública
A tecnologia simula a construção em modelos virtuais e amplia a confiabilidade nos orçamentos referenciais. É por isso que a BIM na administração pública contribui para o cumprimento rigoroso dos prazos e assegura a qualidade das construções das obras. A compreensão dos impactos positivos do seu uso parece ser um verdadeiro “oásis”. Especialmente, considerando que vivemos em um cenário econômico de queda das receitas públicas, restrições fiscais severas e exigência cada vez maiores de eficiência do Estado.
A adoção da BIM pode contribuir para eliminar erros nos quantitativos das planilhas orçamentárias nas obras públicas, já que, geralmente, elas são feitas de forma conjugada à elaboração dos projetos. Nesse sentido, a BIM permite automatizar totalmente o processo de levantamento e da quantificação dos elementos da obra. Sempre cuidando para que o orçado e o realizado estejam alinhados. Como resultado, o seu uso dispensa a celebração constante de aditivos contratuais, que é uma tônica indesejada na gestão pública.
Os desafios para adoção da BIM na gestão pública
Entretanto, para receber os projetos e orçamentos estruturados em BIM, os órgãos públicos deverão preparar e capacitar suas equipes técnicas. Isso inclui investir em equipamentos de porte adequado e usar aplicações e ferramentas sistêmicas BIM que suportem as necessidades de estudos dos projetos.
Além disso, é indispensável aprovar normas internas de uso da metodologia. Da mesma forma, as instituições devem elaborar um planejamento estratégico para adoção da BIM patrocinado pelas instâncias superiores dos órgãos públicos. Esse requisito é essencial, porque é assim que a estratégia se dissemina pelo órgão como um todo e mostra os efeitos da tecnologia ao longo do tempo.
A simulação computacional entre o planejamento da obra virtual e a execução do planejamento da obra real é especialmente interessante à gestão de contratos e obras públicas, por exemplo. Porém, é imperioso entender que a gestão deve se adaptar à nova realidade que se impõe, repensado, inclusive, a relação junto às empresas de construção contratadas pelos órgãos públicos.
O uso da BIM em obras públicas ainda é inicial, menos ainda nas de infraestrutura; e usado apenas em algumas disciplinas de fato. E não como uma política ou estratégia corporativa em toda a gestão pública direta e indireta. Entretanto, acreditamos que isso mudará com aprendizado e avanço das ações que já estão em andamento. Assim, no futuro, a BIM na administração pública poderá ser uma regra e não uma exceção. Especialmente, se considerarmos os novos dispositivos legais que estão a incentivar a adoção da metodologia.
Este artigo faz parte da série de conteúdos Drops de Conhecimento sobre BIM na administração pública. Leia também os impactos da adoção da BIM em contratos de obras públicas.
Washington Lüke é Coordenador-executivo da Frente Parlamentar BIM, relator do GT BIM INFRA da CEE-134 da ABNT, Diretor Acadêmico do Master BIM INFRA da ZIGURAT e Diretor de Empreendimentos da VALEC S.A.