A transformação digital deixou de ser uma opção para os órgãos públicos, mas sim uma necessidade premente. Por meio dela governos podem modernizar suas operações, aumentar a transparência e criar um relacionamento mais próximo e eficiente com os cidadãos. No Brasil, esse movimento tem se intensificado nos últimos anos, impulsionado pela Estratégia Nacional de Governo Digital, que estabelece diretrizes para a modernização tecnológica da administração pública.
Estratégia Nacional de Governo Digital: um marco na modernização
Em 2024, o governo brasileiro atualizou a Estratégia Nacional de Governo Digital para consolidar o país como referência mundial até 2027. Essa evolução reflete mais de 20 anos de esforços na modernização do setor público.
Desde o ano 2000, com a implementação do programa de Governo Eletrônico, passando pela política de Governança Digital de 2016, até a Estratégia de Governo Digital 2020-2022, o foco tem sido a desburocratização, simplificação de processos e aumento da transparência. A estratégia de 2024 continua essa trajetória, priorizando a simplificação dos serviços, a expansão digital e a integração dos órgãos governamentais.
Dentre os principais focos destaca-se o fortalecimento do conceito de governo como plataforma, que busca integrar os sistemas federais em uma única plataforma, facilitando o acesso dos cidadãos aos serviços públicos e promovendo a interoperabilidade entre os diversos órgãos. Além disso, o uso de dados para decisões mais ágeis e a transparência são pilares dessa estratégia.
Iniciativas de sucesso no Brasil
O Gov.br é uma iniciativa que congrega mais de 4.500 serviços públicos, dos quais cerca de 90% já estão totalmente digitalizados. Isso facilita o acesso a informações e serviços essenciais, além de reduzir a disfunção burocrática e custos operacionais.
Outro exemplo é a Plataforma + Brasil, que otimiza a gestão de transferências de recursos públicos, oferecendo maior controle e transparência ao processo. A digitalização aqui tem sido crucial para garantir que os recursos sejam destinados de maneira mais rápida e eficiente.
Desafios: a falta de Planejamento Estratégico
Apesar dos avanços, muitos órgãos públicos ainda enfrentam desafios significativos ao estabelecer um Plano Diretor de Tecnologia da Informação (PDTI). Esse desafio é particularmente evidente nos municípios, que, embora tenham contato direto com os cidadãos, são os mais deficitários em termos de planejamento estratégico. São nas cidades que as pessoas vivem e demandam serviços públicos diariamente, e a falta de um plano bem estruturado prejudica a eficiência desses serviços.
Dados do Mapa do Governo Digital do Brasil (2022) mostram que apenas 22% das 150 prefeituras de cidades com mais de 200 mil habitantes, possuíam um plano estratégico de governo digital em implementação. Esse déficit compromete a adoção eficiente de novas tecnologias, podendo resultar em sistemas fragmentados e subutilizados. Mesmo órgãos mais robustos, como o Poder Judiciário, enfrentam desafios semelhantes.
A necessidade de Planejamento Estratégico
A ausência de um planejamento adequado pode gerar redundâncias, falhas operacionais e investimentos mal direcionados, o que, em última instância, aumenta os custos e reduz os benefícios esperados da digitalização. Além disso, sem um plano estruturado, a transformação digital tende a ser reativa, respondendo a demandas pontuais em vez de promover uma verdadeira modernização.
Exemplo claro disso é a adoção de tecnologias emergentes, como a inteligência artificial (IA). Embora as vantagens da IA no setor público sejam evidentes — desde a automação de processos até a análise preditiva para tomada de decisões —, a implementação dessa tecnologia sem um plano estratégico adequado pode resultar em sistemas subutilizados ou, pior ainda, em soluções que não dialogam com a realidade operacional dos órgãos. A IA deve ser parte de uma visão mais ampla, que considere sua integração com os sistemas já existentes, o treinamento dos servidores públicos e a definição de metas claras sobre a sua contribuição para a eficiência e qualidade dos serviços prestados.
Portanto, um plano estratégico é fundamental para assegurar que a transformação digital seja proativa, e não reativa. Ele permite que os órgãos públicos identifiquem com mais precisão onde e como a tecnologia pode trazer os maiores benefícios, evitando investimentos errôneos ou projetos que falhem em gerar valor real para a sociedade. No caso da IA, por exemplo, é preciso entender quais são os processos que mais se beneficiam dessa tecnologia, como ela pode otimizar o atendimento ao cidadão e quais são os riscos e desafios que precisam ser endereçados, como privacidade e ética.
Planejamento Estratégico: o caminho para a transformação
A transformação digital bem-sucedida exige mais do que a adoção de novas tecnologias. Ela requer um plano estratégico robusto, capaz de alinhar a tecnologia com os objetivos institucionais e de longo prazo dos órgãos públicos. O planejamento estratégico ajuda a identificar as áreas prioritárias para a transformação digital e a garantir que os recursos sejam aplicados de maneira eficaz, sem desperdício de investimentos.
Além de tecnologia, é importante incluir a capacitação dos servidores, a modernização de processos e a gestão de dados no planejamento. Envolver todos os interessados — desde gestores até os usuários finais — é igualmente importante para que as soluções digitais realmente atendam às necessidades da população.
Caminho inadiável: quando o futuro depende de agora
Para que o Brasil se destaque como líder em governo digital, é fundamental que cada órgão público adote um Plano Estratégico específico para a transformação digital. A Estratégia Nacional de Governo Digital é um marco importante, mas o sucesso real dependerá do engajamento de todas as esferas governamentais — federal, estadual e municipal. Empresas de TI que atuam como parceiras nesse processo têm um papel essencial ao fornecer a tecnologia e o conhecimento necessários para modernizar a administração pública de forma sustentável.
Aline Valdati é Doutora e Mestre em Engenharia e Gestão do Conhecimento (UFSC), integrando o Centro de Estudos em Inteligência, Gestão e Tecnologias para a Inovação (IGTI) e o Núcleo de Engenharia de Integração e Governança do Conhecimento (ENGIN). Formada em Tecnologias da Informação e Comunicação (UFSC). Aline está na Softplan há mais de três anos, atualmente é Analista de Inteligência Competitiva na Unidade Setor Público.