Planejar tecnologia no setor público não é apenas sobre infraestrutura ou sistemas, mas também sobre fazer escolhas que transformam como os governos operam e entregam valor à sociedade. A transformação digital vai além da TI; ela deve ser tratada como uma estratégia institucional integrada, com metas tecnológicas alinhadas aos objetivos maiores da organização.
O Brasil, hoje, é referência em maturidade em governo digital. Esse feito é fruto de décadas de trabalho, aprendizado e ajustes estratégicos. Tive o privilégio de participar dessa jornada, especialmente com o programa Gov.br, e quero compartilhar algumas lições dessa experiência.
Lição 1 – Aproveitar as oportunidades e definir metas claras
A história do Gov.br é uma história de estratégia, oportunidade e execução. Ela começou a ganhar força em 2018, quando consolidamos iniciativas já existentes: sistemas estruturantes, processos eletrônicos e uma estratégia de governo digital bem definida.
Nossa missão era ambiciosa, mas com quatro metas claras: lançar a identidade digital do cidadão, consolidar canais digitais no Gov.br, agilizar o registro de empresas e transformar o atendimento público.
Essas quatro metas não eram apenas diretrizes; elas se tornaram o norte de toda a operação. Simplificar, integrar e oferecer eficiência foram os princípios que nos levaram a digitalizar 90% dos serviços públicos federais até 2022. Saímos de menos de 2 milhões de usuários digitais para 150 milhões, cobrindo praticamente toda a população adulta.
Lição 2 – Engajar as pessoas e comunicar com clareza
No setor público, onde os incentivos tradicionais do setor privado como bônus e promoções não estão disponíveis, o propósito e os objetivos claros se tornam o principal motor de engajamento para as pessoas. Durante o Gov.br, criamos uma comunidade de servidores públicos engajados, que colavam adesivos do programa em seus celulares e notebooks com orgulho.
Uma comunicação clara permite que todos os membros compreendam e se conectem com o propósito do projeto. No Gov.br, criamos um espaço exclusivo para comunicação, com encontros periódicos, dedicado a traduzir conceitos técnicos e complexos em mensagens atraentes e acessíveis.
Lição 3 – Celebrar pequenas conquistas
Estabelecemos uma regra simples: “Uma notícia boa por semana”. Pode parecer algo pequeno, mas mesmo pequenas vitórias, como digitalizar autorizações de viagem para cães e gatos, foram motivo de celebração. Isso mantinha as pessoas motivadas e mostrava que estávamos avançando.
“Não importa o tamanho da conquista, se ela impacta positivamente as pessoas, vale a pena compartilhar.”
Lição 4 – Construção de uma marca forte
O Gov.br não era só um programa; era um movimento. Criamos uma identidade que as pessoas queriam associar às suas rotinas de trabalho, tornando o programa um símbolo de transformação digital. Criar um nome e uma identidade visual sólida é essencial para dar forma e tangibilidade ao programa, isso facilita seu reconhecimento e engajamento.
“Engajar servidores públicos é um desafio, mas também uma oportunidade. Os melhores profissionais com quem já trabalhei estão no setor público. Eles têm habilidades incríveis, mas muitas vezes faltam oportunidades e incentivo para que executem o seu melhor.”
Lição 5 – Ter ao menos uma pessoa dedicada
Outro ponto crucial é garantir que haja uma pessoa dedicada exclusivamente à transformação digital e tecnologia. Essa não pode ser uma função acumulada com outras responsabilidades, como compras ou RH, devido à complexidade e profundidade técnica envolvida.
Essa dedicação vale a pena. A experiência mostra que a transformação digital pode ser viabilizada com os recursos já existentes, redirecionando as economias geradas pela eficiência digital. A chave está em medir essas economias e canalizá-las para projetos que criem valor rapidamente, sempre priorizando o impacto no cidadão.
Lição 6-Medir o avanço da estratégia
Um dos pontos mais críticos é definir como medir o progresso e traduzir os resultados em algo específico para todos os públicos — do técnico ao cidadão, passando por gestores e imprensa. É aí que entra a importância de escolher métricas universais, como tempo e dinheiro, variáveis que todos conseguem compreender.
“Sempre digo que só tem duas variáveis que todo mundo entende: tempo e dinheiro. Traduza suas diretrizes de alguma forma em uma dessas variáveis, e terá desde o ministro até o cidadão entendendo o que está sendo entregue.”
Um exemplo prático disso foi quando medimos o impacto da digitalização no dia a dia da sociedade. No final de 2021, conseguimos calcular que havíamos devolvido ao cidadão brasileiro um dia útil do ano, eliminando esforços com transportes e filas para a obtenção de documentos. Essa métrica, além de ser simples, é extremamente representativa: mostra o impacto direto da transformação digital na vida das pessoas.
Lição 7-Equilibrar riscos e ambição em projetos inovadores
Por fim, quando se trata de implementar projetos de transformação digital que sejam inovadores há sempre o medo e a ambição caminhando juntos. O que me ajudou e muito foi:
- ter especialistas jurídicos e pessoas que conheciam a legislação para me alertar dos riscos envolvidos e deixar registrado os motivos das tomadas de decisões naquele momento;
- incluir os órgãos de controle, como Tribunal de Contas desde o início do projeto. Eles não apenas ajudaram a mitigar riscos, mas também trouxeram insights que utilizamos em todos os outros projetos vindouros.
Se há uma lição que levo dessa jornada, é que o setor público tem talentos incríveis e um potencial imenso.
Insights
Este conteúdo é parte do Insights com Luis Felipe Monteiro, com o tema “Transformação Digital no Setor Público”. Para aprofundar ainda mais no tema e conferir todos os insights compartilhados, assista ao vídeo completo do webinar.
Luis Felipe Monteiro é especialista em Governo Digital e Transformação Pública, reconhecido pelo Fórum Econômico Mundial como uma das 50 pessoas mais influentes do mundo revolucionando governos em 2020. Foi Secretário de Governo Digital do Brasil (2018-2021), onde idealizou a plataforma gov.br, hoje utilizada por 150 milhões de cidadãos, e liderou a estratégia que posicionou o Brasil como o 2º país mais maduro em governo digital, segundo o Banco Mundial.