Em 2025, mais de 3 mil prefeituras brasileiras contam com novos gestores. Nos primeiros 100 dias de um governo municipal, seja em uma nova administração ou na continuidade de um mandato, definir prioridades é essencial. Saúde, finanças e infraestrutura são algumas das áreas mais relevantes, e todas podem ser amplamente beneficiadas pela transformação digital.
A digitalização de processos não apenas melhora a eficiência e reduz custos, mas também aumenta a transparência e garante a continuidade administrativa, evitando que avanços sejam perdidos a cada troca de gestão.
No entanto, digitalizar um governo não acontece de um dia para o outro. A transformação digital é uma jornada, e neste artigo vamos abordá-la olhando para quatro pontos:
- Planejamento: definir quais processos serão digitalizados e como alinhar a estratégia com os instrumentos de gestão pública.
- Execução: implantar as primeiras soluções digitais e superar os desafios iniciais.
- Monitoramento: acompanhar o impacto das mudanças e garantir ajustes contínuos.
- Evolução tecnológica: avançar para um governo mais inteligente, baseado em dados e inteligência artificial.
Diante desse cenário, a transformação digital deve ser vista pelos novos prefeitos como um pilar estratégico nos primeiros 100 dias de governo, permitindo que sua gestão comece de forma eficiente e construa um legado duradouro.
Planejamento: o primeiro passo da jornada digital
Este é o momento de transformar o plano de governo, que foi apoiado nas urnas, em uma estratégia concreta para os próximos quatro anos. O desafio aqui é garantir que a transformação digital esteja integrada desde o início do mandato.
O Plano Estratégico (PE) do governo municipal deve definir as prioridades para os próximos quatro anos, de acordo com o plano de governo consagrado nas urnas. No Plano Plurianual (PPA), serão alocados recursos para tais prioridades. Os gestores devem prever investimentos em tecnologia como parte essencial das melhorias na prestação de serviços públicos.
A partir do PE e do PPA, é possível desdobrar a estratégia em planos diretores setoriais. Por exemplo, no Plano Diretor de Tecnologia da Informação (PDTI), a gestão pode definir quais processos administrativos serão digitalizados primeiro e serviços digitais ao cidadão, garantindo que a transformação digital gere impactos rápidos e mensuráveis, tanto para a administração pública, quanto para a sociedade.
Outro aspecto essencial é o Plano Anual de Contratações, que sinaliza o que será adquirido a cada ano de governo. Esse plano deve incluir ferramentas para gestão digital de documentos, automação de serviços públicos e uma moderna infraestrutura de TI.
Desafios na implementação da transformação digital
A falta de recursos é um dos maiores desafios para os governos municipais, mas a transformação digital, quando bem aplicada, reduz custos e permite o reinvestimento em áreas prioritárias. Mesmo com orçamentos limitados, há diversas opções de financiamento disponíveis, como programas do governo federal, estadual e instituições como BNDES, Banco da Amazônia e Banco do Nordeste.
Além disso, a resistência cultural pode ser um obstáculo inicial. No entanto, o brasileiro é altamente adepto à tecnologia e, quando servidores e cidadãos percebem os benefícios da digitalização, o histórico mostra que a aceitação ocorre rapidamente.
Outro fator crítico é a capacidade institucional. Capacitar equipes é essencial para um governo digital, e há inúmeros recursos acessíveis, como os cursos gratuitos da AWS sobre computação em nuvem e inteligência artificial, além dos conteúdos da ENAP e do governo federal, incluindo o Guia do Novo Prefeito +Brasil e o Catálogo de Soluções Federativas.
Mais do que capacitação, é preciso ampliar a capacidade de execução. Ferramentas como o Gov.br oferecem soluções gratuitas de autenticação, assinatura eletrônica e reconhecimento de prova de vida, que podem ser integradas a sistemas municipais. Além disso, parcerias com empresas especializadas agilizam a digitalização em áreas como saúde, educação, gestão financeira e atendimento ao cidadão.
O mais importante é que os resultados aparecem rapidamente, criando um ciclo positivo onde os ganhos iniciais impulsionam a continuidade da transformação digital. Não é preciso reinventar a roda – há soluções prontas, exemplos bem-sucedidos e parcerias estratégicas que facilitam essa jornada.
Execução e monitoramento para garantir o sucesso da transformação digital
Aqui, o prefeito assume o papel de garantir que as prioridades políticas sejam refletidas na alocação de recursos e na definição de indicadores-chave de desempenho (KPIs). Realizar reuniões periódicas para monitorar esses indicadores ajuda a garantir que a transformação digital avance de acordo com o previsto.
Já vi gestores extremamente bem-sucedidos que fazem reuniões semanais com seus secretários e diretores para revisar o progresso das metas condicionais. A prática garante que os ajustes necessários sejam feitos ao longo do tempo.
Gosto de fazer uma analogia com a natação. Nadar em uma piscina é previsível: você vê as bordas, tem referências fixas. Mas nadar no mar é diferente – se você não levantar a cabeça de tempos em tempos para ver onde está a boia, a correnteza pode desviá-lo do seu destino.
O mesmo acontece no governo municipal: sem monitoramento constante, você pode gastar muita energia, mas ir na direção errada. Os KPIs funcionam como essas boias de referência – eles ajudam a manter o foco e garantir que, mesmo diante dos desafios, o município avance para um governo digital.
Evolução tecnológica para avançar na jornada de transformação digital
Quando elaboramos a primeira estratégia de governo digital do âmbito federal, em 2015, traçamos um caminho de maturidade baseado em quatro etapas:
- Eliminação do papel e digitalização dos processos internos;
- Digitalização dos serviços ao cidadão;
- Valorização dos dados como ativo estratégico;
- Governo preditivo e colaborativo.
As duas primeiras são as mais conhecidas e é onde a maioria dos órgãos públicos se encontram atualmente. Inicia-se digitalizando os processos internos, reduzindo papel e garantido e economia e agilidade. Após organizar a casa, inicia-se a digitalização de serviços essenciais ao cidadão como abertura de empresa, cartão do idoso, agendamento de consultas dentre outros.
À medida que avançam na digitalização dos processos administrativos e dos serviços ao cidadão, é construído um repositório de dados cada vez mais rico. Hoje, por exemplo, uma prefeitura pode ter acesso a um conjunto de informações sobre um cidadão –onde ele mora, se tem filhos, onde eles estudam e se estão com as vacinas em dia.
Com um tratamento inteligente dessas informações, a prefeitura pode mudar a relação do governo municipal com o cidadão, tornando-a mais proativa. Em vez de esperar que um morador procure um serviço, a administração pode antecipar suas necessidades.
Imagine receber um lembrete automático via WhatsApp ou SMS avisando que sua filha precisa tomar a próxima dose da vacina. Ou que o alvará da sua empresa esteja prestes a vencer e quais são os passos necessários para renová-lo.
Essa abordagem faz com que o governo municipal deixe de ser apenas um prestador de serviços passivo e passe a ser um agente ativo na melhoria da qualidade de vida da população e da economia local. Por fim, chega-se a uma gestão colaborativa, com o cidadão cada vez mais integrado a todo o ciclo de políticas públicas (definição da agenda, formulação, processo decisório, implementação e avaliação).
A terceira e a quarta etapas requerem capacidade de processamento – e aqui entra a computação em nuvem. O volume de dados gerados por uma cidade é imenso, e apenas a nuvem consegue oferecer a escalabilidade necessária para armazenar e processar essas informações para um governo digital funcional e eficiente.
Computação em nuvem
Em 2021, a Gartner previu que até 2025 – ou seja, agora – 85% das organizações públicas e privadas fariam sua jornada para a nuvem. Em 2022, um estudo da CAF (Banco de Desenvolvimento da América Latina) analisou municípios brasileiros com mais de 200 mil habitantes e recomendou a adoção da política Cloud First, ou seja, priorizar a nuvem.
A construção e manutenção de data centers próprios são desafios para as prefeituras, pois os longos ciclos de compra tornam a tecnologia obsoleta rapidamente, além dos altos custos e da necessidade de mão de obra especializada. A nuvem resolve esses problemas ao permitir o pagamento apenas pelo uso. Funciona como um serviço sob demanda, eliminando a necessidade de investimentos pesados em infraestrutura física.
Além disso, a segurança é um diferencial. A AWS, como provedora de serviços de nuvem, possui 143 padrões de segurança e certificações de conformidade, atendendo aos protocolos mais exigentes de proteção de dados como da Comissão Europeia e de informações em saúde dos EUA. O modelo de segurança compartilhada garante que a infraestrutura fique protegida enquanto o cliente mantém total controle sobre seus dados e aplicações.
Conclusão
A transformação digital pode ser o maior legado de uma gestão. Prefeitos que estruturam essa mudança desde os primeiros 100 dias garantem: redução de burocracia e custos de forma imediata; serviços públicos mais eficientes e acessíveis, além de uma administração moderna e baseada em dados.
No fim, a transformação digital não é apenas sobre tecnologia – é sobre construir um governo municipal digital mais ágil, transparente e voltado para o cidadão.
Insights
Este conteúdo é parte do Insights com Cristiano Heckert, com o tema “Oportunidades para os 100 primeiros dias de governo”. Acesse o conteúdo em vídeo para se aprofundar mais no assunto.
Graduado, mestre e doutor em Engenharia de Produção pela USP, é Gerente Sênior de Desenvolvimento de Negócios para Governo na América Latina na AWS desde junho de 2024. Com 18 anos de experiência no governo federal brasileiro, ocupou cargos estratégicos como Diretor-Presidente da Funpresp-Exe, Secretário de Gestão do Ministério da Economia, Secretário de Modernização e Gestão Estratégica no Ministério Público Federal e Secretário de Logística e Tecnologia da Informação do Ministério do Planejamento. Professor em instituições como ABOP, ENAP, FGV e IBGP, é referência em temas de gestão pública e transformação digital.